Saúde pública
Atraso em repasses estaduais provoca redução de cirurgias de traumatologia em Pelotas
Medida adotada pela Santa Casa deve elevar o tempo de espera a cerca de 900 pacientes
Jô Folha -
A crise financeira que atinge em cheio os hospitais deixa mais uma consequência na Zona Sul. Desta vez, em Pelotas. A Santa Casa de Misericórdia tem reduzido o número de cirurgias eletivas de traumatologia. A média de procedimentos semanais, que oscilava entre 25 e 30 - conforme os tipos de materiais e o tempo médio de internação necessários -, caiu para 20. É uma péssima notícia para quem está na fila de espera. E não são poucos pacientes. Dados da Secretaria de Saúde apontam que aproximadamente 900 pessoas aguardam por este tipo de cirurgia.
Com atrasos recorrentes nos repasses de incentivos estaduais, desde 2017, para atendimento como "porta aberta" da traumatologia, o hospital enfrenta dificuldades na compra de materiais e de medicamentos. A parcela de RS 338 mil, por mês, está repetidamente pendente. Neste momento, não foi liberado sequer o valor referente a abril. "Como outros hospitais da região também estamos chegando ao limite. Não temos como buscar novos empréstimos, como fizemos por anos. Estamos com todos os nossos bens penhorados", resume o provedor da Santa Casa, Lauro de Melo.
Nas enfermarias, nomes diferentes para um mesmo drama
A falta de perspectiva para ser encaminhado ao bloco cirúrgico e poder torcer pela alta hospitalar corrói diferentes famílias. Os procedimentos são, sim, eletivos. A espera não representa risco de morte. Mas, em algum momento, os pacientes sonham em ser prioridade. E é, justamente, esta ausência de clareza que angustia.
Quem afirma é a estudante de Filosofia Marta Mendes, 51. Ao acompanhar a mãe Celi Rodrigues, 80, há um mês na ala Santo Antônio não é apenas a demora pela cirurgia que incomoda. Com diagnóstico de Parkinson e de Alzheimer, a idosa aguarda avaliação de neurologista para voltar a tomar as medicações disponibilizadas pela família, mas que chegaram ao fim.
A falta de uma cama com contenções também causa indignação. E deixa marcas. No sábado, Celi caiu do leito e provocou nova fratura. Agora, precisará de cirurgia de fêmur nas duas pernas. "Eu quero resultado. Até onde a gente vai?", indaga a filha. E admite: "Nossos recursos físicos, emocionais e financeiros acabaram. A mãe tá passando a noite sozinha aqui no hospital". O caminho daqui para frente também está definido: a família deve procurar o Ministério Público (MP) para exigir agilidade no atendimento.
Preocupada, de novo
A aposentada Mara Burguez está de volta à Santa Casa desde o início de junho; passado pouco mais de um mês da cirurgia no joelho. A internação é para eliminar uma bactéria que chegou a colocá-la sob risco de amputação. Com as dores controladas, Mara e as filhas lamentam a espera, agora vivenciada por outros pacientes.
Em abril, quando o Diário Popular também esteve no hospital e conversou com a família, problemas nos aparelhos de radiografia e de autoclaves ajudavam a emperrar os procedimentos cirúrgicos, afetados pelo atraso no repasse de verbas. "Sabemos o que eles estão passando. É terrível", enfatiza a professora Suziara Netto, 31.
Instantes antes, no leito ao lado, uma voz já havia desabafado: "Estamos aqui, aguardando, há 70 dias".
O que eles disseram
- A palavra da Provedoria: Além dos atrasos nas verbas estaduais, a defasagem da tabela do Sistema Único de Saúde (SUS), principalmente, em serviços de média complexidade, que não recebem reajuste há mais de dez anos, comprometem as finanças do hospital. O déficit atual, embora já reduzido, é de R$ 1,1 milhão, por mês. Uma mobilização em abril, em Brasília, não surtiu efeito às Santas Casas, que contavam em poder se beneficiar de lei aprovada no ano passado para ganharem prazos e carências para pagamento de dívidas. "Na prática, nada disso entrou em vigor", preocupa-se Lauro de Melo.
- A posição da 3ª CRS: O titular da 3ª Coordenadoria Regional de Saúde, Gabriel Andina, afirma que os incentivos estaduais de abril estão atrasados para todos os hospitais. No caso específico de Pelotas, as pendências precisariam ser notificadas à 3ª CRS, já que os contratos são firmados diretamente com a prefeitura e não com o governo do Estado, em função da gestão plena da Saúde.
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